ENTENDA O IMPASSE JURÍDICO POR TRÁS DO DESTINO DA ZOOMP

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Se você tem 20, 25 anos, talvez não entenda o que nos anos 1980 e 1990 significava vestir uma calça com uma tag que exibia um raio amarelo. Havia o jeans e o jeans Zoomp – e a distância entre um e outro era colossal. A Zoomp foi objeto de desejo de todas as classes e símbolo de status para uma geração que ainda não esbarrava com artigos das maiores grifes de luxo do mundo em território nacional. Luxo, mesmo, era ostentar no derrière o célebre logotipo da marca brasileira.

Os quarentões de hoje dificilmente não cobiçaram na adolescência os jeans baggy e semibaggy. “Nos anos 1980, eu era apaixonado pela Zoomp”, lembra Paulo Borges, o homem à frente da São Paulo Fashion Week. “O raio seduzia e transgredia.” O reinado da marca durou até o início dos anos 2000. A partir daí, o raio fez água. Mas, após anos de disputas judiciais, o símbolo sedutor e transgressor está prestes a brigar novamente por araras e holofotes – e com Alberto Hiar, o Turco Loco dono da Cavalera, à frente da empreitada.

performática A top Anna Cleveland será o rosto do comeback do jeans do raio amarelo (Foto: Divulgação)

Performática A top Anna Cleveland será o rosto do comeback do jeans do raio amarelo (Foto: Reprodução)

A Zoomp foi fundada em 1974 pelo empresário Renato Kherlakian. Ela personificou a resposta brasileira ao universo fashion que vinha de fora, fosse pelas campanhas estreladas, fotografadas e produzidas por grandes nomes nacionais e internacionais, fosse pelos disputados desfiles com as maiores tops da época. Nas passarelas e catálogos da Zoomp, nomes como o da francesa Laetitia Casta e o da novata Gisele Bündchen juntaram-se ao do fotógrafo peruano Mario Testino e ao da poderosa editora de moda Carine Roitfeld para elevar o nível do jeanswear made in Brazil.

Mas, no início da década passada, o fôlego da Zoomp acabou. De um lado, a marca não conseguiu fazer frente a conglomerados como InBrands e AMC, agressivos na estratégia de reunir diversas grifes sob um só guarda-chuva – o que reduz custos com matéria-prima e distribuição. De outro, com a concorrência de marcas estrangeiras nos calcanhares, ela ficou com cara de paixão do verão passado: bonita, mas apagada na memória. Era o momento da febre do jeans premium, no qual brilharam marcas como a Diesel, então novidade no país. A empresa acumulou dívidas. Em 2006, sem alternativa para honrá-las – estima-se que o rombo era de R$ 140 milhões –, Kherlakian teve que passar sua criação adiante.

Nesse momento, entraram em cena Conrado Azeredo Wille Enzo Medeiros Monzani, ambos financistas egressos do Banco Pátria. A dupla tinha planos para criar um novo gigante da moda nacional: a empresa, apostavam, triplicaria receitas, abriria capital em cinco anos e, suprassumo do otimismo, iria brigar por mercado no exterior. Will e Monzani tinham como um dos trunfos o bom trânsito com fundos de pensão.

o tempo passa Gisele Bündchen fez campanhas da Zoomp, criada pelo empresário Renato Kherlakian (Foto: Divulgação)

O tempo passa Gisele Bündchen fez campanhas da Zoomp, criada pelo empresário Renato Kherlakian (Foto: Divulgação)

Graças a esses relacionamentos, eles atraíram os previdenciários da Infraero (Infraprev) e da Petrobras (Petros) para o time de credores da Zoomp. Em paralelo, fizeram uma ofensiva no mercado ao comprar as marcas Clube Chocolate, Fause Haten, Cúmplice e outras duas do estilista Alexandre Herchcovitch. Essas aquisições deram origem à holding Identidade Moda. Tudo com muito barulho. A estreia da I’M foi na São Paulo Fashion Week de 2008 e contou com as tops Carol Trentini e Coco Rochacomo as atrações do desfile. Foi um sucesso.

A maré, no entanto, logo virou. Em abril do mesmo ano, Herchcovitch, que estava em sua segunda passagem pela empresa como diretor criativo, desistiu de participar do grupo I’M. “A Zoomp foi minha marca preferida na adolescência”, conta. “Eu era cliente e amigo dos vendedores. Juntava dinheiro para comprar a calça do raio na bunda.” Sua saída, diz, ocorreu por divergências nos negócios. “Tenho ótimas lembranças das duas fases em que trabalhei para a marca”, afirma.

Um ano após sua saída, uma dívida de R$ 400 mil, pequena para uma empresa que faturava mais de R$ 100 milhões por ano, significou um ruidoso decreto de falência, depois revertido por meio da criação de um plano de recuperação judicial. “Passado algum tempo, a empresa não conseguiu cumpri-lo. Por isso, apresentou novo plano, dessa vez com a opção de venda dos ativos”, diz o responsável pelo processo de recuperação judicial da marca, Thiago Peixoto Alves, sócio do Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.

Essa foi a senha para Alberto Hiar, o Turco Loco, entrar no imbróglio. O empresário mobilizou um time de advogados para traçar uma estratégia que lhe permitisse comprar a Zoomp sem ter que carregar todo o passivo. Esse mesmo receio já havia afastado nada menos que 14 investidores antes dele. “Era tudo meio nebuloso”, afirma Hiar. “Durante a negociação, percebi que eles (os administradores) queriam pedir falência da Zoomp, e não  vender os ativos para amenizar o prejuízo.” Enzo Monzani e Conrado Will não responderam aos pedidos de entrevista.

m janeiro de 2015, em um leilão agendado sem alarde, a única proposta apresentada foi a de Hiar. Ela foi aceita pela maioria dos credores, apesar da resistência dos fundos de pensão Infraprev e Petros – que, sem poder de veto, não tiveram como evitar a vitória do empresário. Juntos, os fundos de investimento que representam Infraprev e Petros têm para receber R$ 153 milhões. Fora isso, a Zoomp deve pouco mais de R$ 30 milhões para os demais credores e R$ 260 milhões para o Fisco. A parte do Infraprev era de R$ 14 milhões em 2007, mas pode chegar a R$ 50 milhões em dinheiro de hoje, segundo um dos credores ouvidos pela reportagem. O Petros informou que não comenta o assunto.

Entre a vitória obtida no leilão e a chegada às lojas da nova coleção da Zoomp neste mês de março, passaram-se dois anos. Nesse período, fundos e antigos administradores travaram uma batalha judicial para tentar evitar a operação, alegando que a marca não poderia ser vendida separadamente dos demais ativos. O Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu a decisão de primeira instância e aprovou a venda. Os fundos ainda podem recorrer, mas a marca já pode ser utilizada pelo grupo de Alberto Hiar. “Estou absolutamente tranquilo”, diz o empresário.

A pedido da GQ, a advogada especializada em Fashion Law, Mariana Capela Lombardi, do escritório Levy & Salomão, analisou os últimos acontecimentos da recuperação judicial da Zoomp. “A decisão ainda não é definitiva, e é provável que os fundos recorram ao Superior Tribunal de Justiça, apesar das chances de revertê-la serem pequenas”, explica.

Disputas jurídicas, cisões societárias, fundos de pensão, filas de credores… Nada disso tem relação com o glamour que o raio amarelo já representou. Onde fica a moda nessa história? O plano de Hiar é devolver à Zoomp o status de símbolo da moda casual brasileira. Sim, estará lá o celebrado jeans em sofisticadas lavagens, mas também uma competente alfaiataria, tricôs e jaquetas poderosas.

A tradição de usar top models cheias de atitude foi mantida. A performática Anna Cleveland, filha da lendária modelo Pat Cleveland, musa de Salvador Dalí, será o rosto do retorno da Zoomp. Aos 24 anos, Anna aparece na lista Top 50 do Models.com. “Eu não comprei a marca só pensando em dinheiro. Não sou um fundo de investimentos”, afirma Hiar. “Foi uma compra por amor. A primeira calça que copiei na vida foi da Zoomp. Arrancava etiqueta de calça usada e colocava nas minhas.” A conferir se, depois da tempestade, o raio amarelo verá de novo a luz do sol.

Fonte: http://gq.globo.com/Estilo/Moda-masculina/noticia/2017/04/entenda-o-impasse-juridico-por-tras-do-destino-da-zoomp.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=post

 

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