Traduzindo o “Trade Dress”

No mercado de serviços e de produtos a concorrência é, de certo modo, uma engrenagem eficiente para o capitalismo funcionar bem. Quanto mais concorrência melhor a qualidade dos bens de consumo e menor o preço. Por isso, os negócios precisam ter uma identidade, que os diferencie de seus concorrentes.

Quando alguém entra no mercado com intenção de conquistar cliente de outrem, é fácil perceber a reprodução ou cópia da marca. Pois o original logo terá como provar através de seu sinal. Contudo existe uma modalidade de concorrência desleal que não é tão simples de configurar, e nossa legislação ainda não acolhe claramente. Essa espécie é chamada de “Trade Dress”. O infrator não necessariamente copia a marca do original, contudo utiliza-se de características da embalagem ou estabelecimento para confundir o consumidor.

O “Trade Dress”, é um conceito criado em solo norte-americano que já está presente na doutrina de Propriedade Intelectual Brasileira. Por ser uma expressão, sua tradução literal não interpretaria o que de fato é. Diante disso, esse texto tem objetivo de traduzir, no sentido de explicar, o termo.

Alguns autores chamam de “conjunto imagem”, pois o “Trade Dress” seria o conjunto de elementos distintivos de produtos, serviços ou estabelecimentos comerciais, que fazem com que o público os identifique no mercado consumidor.

Além de “conjunto imagem” o “Trade Dress” também pode ser entendido como “roupagem externa” de um produto ou serviço, assim como “apresentação visual” dos mesmos. Configura-se ilícito quando terceiro imita sutilmente uma série de características do produto ou até mesmo o jeito ou “know how” da prestação de um serviço.

No Brasil, o sistema jurídico, apesar de não ser explicito, protege o “Trade Dress” das empresas que inovaram e se diferenciam de seus concorrentes. Isso é devido a Convenção da União de Paris, do qual o país é signatário. A Convenção afirma, que “deve proibir-se particularmente: 1º todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente”.

A Lei de Propriedade Industrial, nº 9.279/96, pode ser usada diante do ilícito, o artigo n°. 195, estabelece que “comete crime de concorrência desleal quem: III – emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem“. Já o artigo 209 da mesma lei, prevê pagamento de indenização da pessoa que cometeu o crime:

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

 Desta maneira, o arcabouço jurídico brasileiro já foi usado para dirimir diversos casos envolvendo “Trade Dress”, cabe citar alguns notórios como os seguintes:

China in box Uai in box.

Perceba que além do termo “in box” a empresa de comida mineira copiou a embalagem de entrega do produto, fazendo muito familiar com a conhecida “China in Box”. A 1ª câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP julgou que a “Uai in Box” deve se abster, definitivamente, de utilizar a expressão “in Box” em todos os ramos de sua apresentação e publicidade, bem como de utilizar caixas semelhantes às da rede China in Box, que obteve o registro do desenho industrial.

Protex X Francis Protection

A empresa Francis, foi condenada pois usou, em suas embalagens, características muito semelhantes do sabonete Protex. O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, não conheceu do recurso interposto pela Francis Licenciamentos Ltda. A empresa pretendia reverter a liminar que determinou a alteração, em 90 dias, das embalagens do sabonete Francis Protection, pois elas foram consideradas muito semelhantes às do concorrente Protex, da Colgate.

Queensberry X Ritter

A empresa alimentícia Ritter foi condenada a pagar indenização à Queensberry por utilizar pote de geleia em formato semelhante ao da concorrente.  Para TJ/SP, “as características inseridas na nova embalagem que passou a ser usada pela requerida são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora”.

Duvel X Deuce

A cerveja Deuce foi considerada cópia da cerveja Duvel, além das marcas serem muito semelhantes a garrafa e rotulo eram extremamente parecidos. Assim a 11ª câmara Cível do TJ/RJ manteve a condenação da empresa que fabrica a cerveja Deuce por “Trade Dress” e imitação da marca da cerveja belga Duvel. O juízo de 1º grau determinou que a ré promova a alteração da representação visual de seu produto “Deuce”, desvinculando-a das características visuais da cerveja “Duvel”, além de cessar a divulgação ou promoção da cerveja “Deuce” e todos os produtos anexos, alterando também a divulgação em mídias como Facebook e Instagram.

Camarões Restaurante X Coco Bambu

A famosa rede Coco Bambu foi condenada a se abster de utilizar qualquer marca, configuração ou estruturação similar à aparência do Camarões Restaurante, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, limitada a R$ 1 mi. A obrigação foi fixada em julgamento do TJ/RN contra sentença que julgou improcedente a ação de concorrência desleal e “Trade Dress” ajuizada pelo Camarões Restaurante.

Coca Cola X Ice Cola

No julgamento a 1ª câmara Cível, por maioria de votos, concluiu que há “flagrante semelhança de formatação, diagramação e layout de cardápios, vestimentas de garçons, refeições oferecidas e estrutura arquitetônica entre os restaurantes pertencentes aos litigantes, gerando confusão entre os consumidores”.  A juíza de Direito Maria da Penha Nobre Mauro, da 5ª vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, acolheu o pedido de tutela antecipada das empresas The Coca-Cola Company e Coca-Cola Indústrias Ltda e deferiu liminar para que a Amazon Flavors interrompa todo e qualquer uso comercial dos refrigerantes Ice Cola e Ice Zero com embalagens e rótulos parecidos com os das bebidas Coca-Cola e Coca-Cola Zero. Em sua decisão, a magistrada destacou que “observados lado a lado nas prateleiras, os produtos da ré não se distinguem ou se individualizam dos produtos das autoras“. Para ela, tudo indica “sem equívoco, a imitação da embalagem dos produtos das autoras“. E como os produtos da ré são destinados a concorrer diretamente com os das autoras, tendo o mesmo público alvo, sendo vendidos nos mesmos canais de comercialização, é “forçoso a concluir pela possibilidade de ocorrência de confusão visual na clientela“.

Bepantol X Neopantol

Por determinação da 2ª câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP  a farmacêutica Hypermarcas deve suspender a venda do produto Neopantol por semelhança com embalagem do produto Bepantol Baby, da Bayer. A concorrente também deverá indenizar por danos morais e materiais. A detentora da marca Bepantol alegou que a concorrente copiou sua embalagem, o que poderia induzir o consumidor a erro. Após ter o pedido negado em 1ª instância, a Bayer argumentou que foi reproduzido o fundo branco, o efeito dégradé e destaques em rosa. Ao analisar, o colegiado entendeu que houve de fato reprodução do “Trade Dress”.

Diante dos casos judiciais mencionados, é claro que apesar da legislação não ser cristalina quanto ao assunto, e não mencionar as palavras “Trade Dress”, “Conjunto Imagem”, “Roupagem Externa” ou “Apresentação Visual”, o judiciário tem acolhido o argumento da concorrência desleal. Isso mostra que, mesmo não existir um termo que traduza bem a expressão “Trade Dress”, esse conceito já está sendo debatido na doutrina e no judiciário. Não que o Brasil deva ter uma palavra ou locução oficial para este significado, contudo o importante é o operador do direito ao se deparar com tal conduta saber como classifica-la.

 

Artigo escrito por Axel Belarmino

Fonte: Migalhas

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